segunda-feira, 23 de março de 2015

Fernando Pessoa


Fernando Pessoa:
castidade e dificuldades
financeiras

                            O baú do poeta


Nova edição revela facetas de Fernando Pessoa
e ilumina pontos de sua discreta biografia
                                          Carlos Graieb




O poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) é um sucesso de público  e crítica . Considerado unanimemente o melhor da língua  ao lado de Luís de Camões, Pessoa hoje é também saudado como um dos maiores de todos os tempos, em qualquer idioma. Ele é o único português que aparece entre os grandes em O Cânone  Ocidental elaborado pelo crítico americano Harold Bloom. Nas ultimas décadas , Pessoa também virou ídolo popular no Brasil e em Portugal. Ao lado de Che Guevara e Gandhi, o campeão de vendas daquelas camisetas que trazem frases impressas. As dele são sempre as mesmas: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena" e "O poeta é um fingidor". Pessoa, no entanto, é muito mais do que isso. Mesmo os fãs do poeta português conhecem pouco, proporcionalmente, de sua obra. Fernando Pessoa publicou apenas um livro em vida, Mensagem, e alguns versos em jornal. Boa parte de sua literatura ficou guardada numa arca de madeira escura, grandalhona, contendo exatamente 27.543 textos. Nos anos 40, uma parcela desse legado foi lançada numa primeira edição de sua obra completa, mas ficou faltando muita coisa. Os novos  começaram a vir à tona há cerca de quinze anos, em livros que só circularam entre especialistas. Apenas no ano passado, em Portugal, atingiram o grande público numa edição comercial da obra de Pessoa que saiu pela casa Assírio & Alvim de Lisboa. Essa nova edição, que deverá ter ao todo 23 volumes, começa ser publicada agora no Brasil pela Companhia das Letras. Os livros trará muitas surpresas mesmo para o leitor habitual de Pessoa.




Como todo mundo aprendeu na escola, o poeta português o famoso pelas personalidades literárias que criou. As mais famosas são o clássico Ricardo Reis, o pagão Alberto Caeiro e o atormentado Álvaro de Campos, chamados heterônimos porque tinham estilo próprio e até temperamentos diferentes. Mais alguns poucos eram conhecidos: o guarda-livros Bernardo Soares e os ingleses Charles Anon e Alexander Search. Estudos recentes demonstraram que chegam a 72 as personalidades literárias de Pessoa. Também trazem subsídios para iluminar a discreta biografia do poeta. Ele, que jamais teve emprego fixo, viveu apertado com dúvidas e acossado pela pobreza. Agora, pode-se entender melhor suas posições políticas  e até sua sexualidade. Por último, as pesquisas restabelecem o texto original de alguns poemas de Pessoa que haviam sido publicados anteriormente de forma errada.

Machista — Talvez os dados mais impressionantes que emergem dos textos recém-descobertos sejam os relativos às novas personalidades literárias do autor. Muitos merecem leitura, como Antônio Mora e o Barão de Teive. O primeiro é filósofo. Ele teoriza sobre um certo neopaganismo e mostra o lado provocador de Pessoa, com passagens polêmicas que levariam o poeta à execração pública em tempos politicamente corretos. Num fragmento encontrado pela professora portuguesa Teresa Rita Lopes, flagra-se o machista Mora dizendo o seguinte: "As três classes mais profundamente viciadas, na sua missão social, pelo influxo das ideias modernas, são as mulheres, o povo e os políticos. A mulher, na nossa época, supõe-se com direito a ter uma personalidade; o que pode parecer 'justo', 'lógico ' e outras coisas parecidas; mas que infelizmente foi de outro modo disposto pela natureza". Já o Barão de Teive é um pouco parecido com Bernardo Soares, o autor do famoso Livro do Desassossego. Pessoa inventou a história de que teria encontrado "o único  manuscrito" do barão o numa gaveta. A Assírio & Alvim pretende publicar livros com textos de Mora e de Teive. Segundo Teresa Rita Lopes, que há mais de três décadas se dedica ao estudo de Pessoa e já produziu alguns ensaios marcantes, como os dois volumes de Pessoa por Conhecer, as varias personalidades literárias inventadas por Pessoa eram como figuras de um romance, ou diário, que ele foi "escrevendo para viver e vivendo para escrever".


Os novos textos já publicados em Portugal revelam facetas inusitadas do talento de Pessoa. Ele gostava, por exemplo, de escrever poemas infantis para as sobrinhas. Esses poucos textos já estão reunidos num volume, O Melhor do Mundo São as Crianças. Em A Língua  Portuguesa, o poeta reflete longamente sobre o idioma dando a entender que, hoje, seria um opositor feroz da reforma ortográfica. Existe ainda o Pessoa ficcionista, autor da novela A Hora do Diabo, que tinha inclusive planos de redigir contos policiais. Há o criador de chistes e piadas e o inventor de charadas e jogos. Note-se, aliás, que boa parte dos trabalhos mencionados é em prosa. Pouca gente sabe, mas a obra em prosa de Fernando Pessoa é mais extensa que a política.


Sexualidade "branca" — Pessoa namorou uma única mulher, Ofélia Queiroz, que parece ter-lhe inspirado uns poemas ruins e várias cartas ("todas as cartas de amor são ridículas" ). Não se sabe de outras aventuras sexuais, de qualquer tipo, que possa ter tido. Foi ele homossexual? Ou teve uma sexualidade "branca", inexistente? Só há especulações. Ele sempre se achou feio. E triste. Normalmente é lembrado como um homem tímido, dado a devaneios metafísicos (algo que está bem documentado em sua poesia) e a explorações místicas. Pessoa, que pensou em ser astrólogo profissional, usando o pseudônimo Rafael Baldaya, guiava-se por seu horóscopo . Certa vez, deixou a poetisa brasileira Cecília Meireles aguardando em um café porque os astros lhe diziam que o dia não era propício para conhecer novas pessoas.

Ao contrário do que se pensava, Pessoa escreveu sobre sexo. Há no espolio diversos poemas e textos a respeito de amor e de mulheres, no sentido bíblico. Frequentemente  eles são surpreendentes. "O desdobramento do eu é um fenômeno  em grande número de casos de masturbares", escreveu Pessoa, certamente pensando em seus próprios  heterônimas. Um deles, o já citado Antônio  Mora, defende que a mulher deve ter experiências sexuais antes do casamento, em contraste com o que rezava o costume da época . Em outra passagem desconhecida, Pessoa joga com a ideia da homossexualidade: Álvaro de Campos faz insinuações a respeito de Ricardo Reis, que teria tentado disfarçar, "pela sintaxe", o fato de que uma de suas odes é dirigida a um rapaz. Segundo Teresa Rita Lopes, o mais provável é que Pessoa fosse casto, não gay. "Se não assumiu, é porque não tinha de assumir. Ele não teria problemas quanto a isso, já que defendeu sem preconceitos seus amigos homossexuais, como o escritor Antônio  Botto".

As primeiras incursões no espólio literário de Fernando Pessoa ocorreram na década de 40. Ligados à editora portuguesa ética, esses exploradores desentranharam do baú escritos fundamentais. As edições da ética têm o mérito  do pioneirismo e tornaram-se canônicas pelos cinquenta anos seguintes. Serviram de base, por exemplo, para as edições brasileiras mais utilizadas, a da Nova Aguilar e a da Nova Fronteira. Esses pioneiros, contudo, fizeram certa bagunça a remexendo a papelada, que só voltou a ter ordem em 1968, quando foi catalogada. Também mandaram para a gráfica poemas em que havia duvidas, deixando para os tipógrafos a responsabilidade de "acertar" o texto. Ate hoje isso compromete a boa leitura de alguns clássicos. É o caso de "Passagem das horas", extenso poema assinado pelo heterônimo  Álvaro  de Campos. Em 1990, a pesquisadora brasileira Cleonice Berardinelli, membro da Equipe Pessoa, uma comissão o nomeada pelo governo português  para fazer edições e críticas  da obra do poeta, descobriu que a edição  da ética simplesmente invertia o posicionamento de dois grandes trechos do poema, alterando sua interpretação.  Em outros casos, havia erros de grafia que modificavam completamente o sentido, como no verso Assim sou a máscara  — que durante cinquenta   anos foi lido como Assim sem a máscara .




No caso das edições  da Assírio  & Alvim, a responsabilidade pelo texto cabe a Teresa Rita Lopes e seus colaboradores. "Não o estamos fazendo edições as  críticas , mas edições criteriosas", diz a pesquisadora. "Os versos de Pessoa costumam ter muitas variantes, sem indicação o de qual era a opção final. Para dar conta disso, redigimos as notas necessárias, mas evitando que esse aparato técnico  se transforme num problema para o leitor comum." Existe, porém, uma questão  jurídica em torno dessa nova edição o que começa a sair no Brasil. A obra de Pessoa, que havia caído em domínio  público  em 1985, voltou a ser patrimônio  dos herdeiros do poeta no ano passado, graças  a uma mudança na legislação europeia. Esses herdeiros concederam exclusividade de publicação à Assírio & Alvim e, em razão disso, as outras edições de Pessoa que existiam em Portugal (algumas boas, outras muito ruins) estão saindo aos poucos de circulação. A pergunta é : será que essa legislação  vale também  no Brasil? O assunto dá pano para mangas. Segundo o diretor da Assírio & Alvim, Manuel Hermínio  Monteiro, a expectativa é de que os livros lançados  por outras editoras, que não  a Companhia das Letras, também deixem o mercado, sem que para isso seja necessária  ação na Justiça. Tudo indica, porém, que uma nova pendenga judicial vem aí.



Texto de apoio


"É raro um país e uma língua ganharem quatro grandes poetas em um só dia. Foi o que aconteceu em Lisboa a 8 de março de 1914". Dessa forma o crítico George Steiner descreveu no jornal americano The New York Times o surgimento dos quatro principais heterônimos de Fernando Pessoa (veja o quadro). Esse inusitado nascimento quádruplo é apenas um dos marcos do fascinante universo literário criado por esse poeta português, morto em 1935, e receptáculo de nada menos que 72 heterônimos. Juntos, eles escreveram a obra de Pessoa, cada um no seu estilo literário, cada um com sua visão de mundo, seus sonhos e idiossincrasias. A genialidade do poeta está nessa rara capacidade de enxergar o mundo, e dele fazer poesia, incorporando profundamente tantas visões diferentes. Este plano de aula tem como conteúdos a despersonalização, a criação literária e a literatura portuguesa moderna.


Muitas têm sido as explicações propostas para a heteronímia. A melhor delas é a do próprio Fernando Pessoa, que escreveu que "o ponto central da minha personalidade como artista é que sou um poeta dramático; tenho, continuamente, em tudo quanto escrevo, a exaltação íntima do poeta e a despersonalização do dramaturgo. Vôo outro - eis tudo. (...) Desde que o crítico fixe, porém, que sou essencialmente poeta dramático, tem a chave da minha personalidade, no que pode interessá-lo a ele, ou a qualquer pessoa que não seja um psiquiatra, que, por hipótese, o crítico não tem que ser. Munido desta chave, ele pode abrir lentamente todas as fechaduras da minha expressão".

Fernando Pessoa fornece nesse trecho a "chave" para a análise de seu trabalho. O poeta tem a capacidade de "voar outro", ou seja, é capaz de construir uma pessoa inexistente que sente realmente outras emoções e sensações. Processo semelhante acontece quando um ator representa personagens.

A criação dos heterônimos é, portanto, um processo artístico consciente e não deve ser encarada como algo "estranho". Na origem de tudo está a capacidade de despersonalizar-se. Com inteligência e imaginação consegue-se viver analiticamente um personagem que acaba por ser um novo escritor, "com estilo próprio", formado por um "grupo de estados de alma mais aproximados".

Um drama feito de gente

Fernando Pessoa transforma a despersonalização dramática em processo de criação literária tão perfeitamente que muitas vezes temos dificuldade de entender quem eram realmente os heterônimos. Como, afinal, ele conseguia criar tantos personagens? De novo o próprio poeta esclarece: "O que Fernando Pessoa escreve pertence a duas categorias de obras, a que poderemos chamar ortônimas e heterônimas. Não se poderá dizer que são anônimas e pseudônimas (...). A obra pseudônima é do autor em sua pessoa, salvo no nome que assina; a heterônima é do autor fora de sua pessoa, é de uma individualidade completa fabricada por ele, como seriam os dizeres de qualquer personagem de qualquer drama seu. (...) Estas individualidades devem ser consideradas como distintas da do autor delas. Cada uma forma uma espécie de drama; e todas elas juntas formam outro drama. (...) É um drama em gente, em vez de em atos".

 
A palavra pseudônimo é formada pelos radicais gregos pseudo, "falso", e onimo, "nome" e designa o nome falso adotado por um escritor para publicar seus textos. Heterônimo (do grego hetero, "outro", "diferente", e onimo, "nome") indica uma "individualidade literária completa", ou seja, um escritor e sua forma pessoal de expressão - criados do mesmo modo como se criam personagens e falas no processo teatral (ou dramático, que é a palavra preferida por Pessoa).

Fernando era também heterônimo
Os principais heterônimos criados por Fernando Pessoa foram Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, a cujas obras se deve somar a de Fernando Pessoa ortônimo (do grego orto, correto e onimo, nome). Entre esses principais heterônimos existe, segundo Pessoa, uma relação importante: a obra poética de Alberto Caeiro influenciou os poemas dos outros três. Nesse "conjunto dramático" deve-se incluir a obra de Fernando Pessoa ortônimo - que, no jogo criado pelo poeta, não deve ser visto como o "verdadeiro" Fernando Pessoa, mas como mais um heterônimo. À obra dos quatro principais heterônimos deve ser somado o trabalho de outros 68 personagens, muitos deles apenas esboçados, entre eles Alexander Search, Antônio Mora, Antônio Seabra, Barão de Teive, Bernardo Soares, Carlos Otto, Coelho Pacheco, Faustino Antunes e Henry More.


Alberto Caeiro 
É o próprio paganista, mestre dos outros heterônimos, pensava de forma simples, sem questionamentos. Para Caeiro, não há mistérios nas coisas. A alma isolada é inexistente, pois é algo que não se vê. Ela só passa a existir quando se une ao corpo, que é palpável e visível. Cristo existe desde que materializado - Cristo pode ser uma flor... Na poesia, tem uma estética na qual a imperfeição compõe uma obra desarmoniosa, sem preocupação com estética e rimas - é tido como poeta desleixado. A própria natureza é sempre desigual, por isso, para ele, não existe harmonia, as coisas são diferentes umas das outras. Caeiro não se prende a nada - viveu por viver. Para ele, viver é normal. Caeiro tinha um estilo direto e simples, mas a compreensão é complexa, já que o poeta faz reflexões profundas em seus escritos. 

Alberto só escrevia poesia, não achava possível retratar a realidade através da prosa. Contra o pensamento filosófico, o escritor acredita que sentir é mais importante que pensar. Uma das obras mais conhecidas é “O Guardador de Rebanhos”

Álvaro de Campos 

Tem a visão multifacetada do real e a crise de identidade é seu marco. Era solitário e depressivo. Viveu tudo na vida intensamente. Possuía a filosofia do niilismo - nada valeu a pena, tudo foi em vão. Expressava tédio por um mundo que não o aceitava, colocava-se com linguagem despida de beleza. Sua poesia era grotesca, formada em um gênero literário desqualificado, sob a finalidade de aliviar-nos a beleza. O seu esforço em conhecer a si próprio fragmenta o seu próprio eu. Mostra-se impotente frente ao real.

Apesar de português, o escritor foi educado em inglês, o que o faz sempre se sentir um estrangeiro. O poeta teve fases diferentes em sua literatura, no começo tinha proximidade com o simbolismo, depois com o futurismo e então a visão niilista ficou presente nas suas obras. 
Na primeira fase, é o tédio e a busca por experiências diferentes que marcam a poesia. A segunda é marcada pela otimismo da civilização. E a terceira é mais introspectiva e apresenta uma poesia pessimista. Campos apostava em uma linguagem ousada para a época, mais livre. 
Ao contrário da racionalidade de Ricardo Reis, Campos coloca emoção em seus escritos. É considerado o alter ego de Pessoa. 


Ricardo Reis

Utiliza estilo refinado na forma poética, mediado pela frieza e pelo controle emocional. Oferece reflexão sobre as coisas, define a vida como passageira, vamos morrer um dia - Carpe Diem. É considerado um autor clássico por utilizar figuras mitológicas e vocabulário requintado. Para ele, o que vale é o real visto em sua superfície, apreendido pelos sentidos. Para Ricardo Reis, a religião é pagã (Cristo é só mais um Deus), a natureza é a pluralidade das coisas. O que predomina é a razão sobre a sensibilidade, o homem é impotente perante a morte, sendo incapaz de superá-la.O médico que acredita na monarquia tinha uma escrita mais tradicional, a linguagem utilizada pelo heterônimo é culta e apresenta um lado clássico. Ricardo foi viver no Brasil quando a república foi proclamada em Portugal. Os textos de Reis foram publicados na revista “Athena” e na “Presença”. 
O autor acredita na busca pela tranquilidade através do epicurismo, uma doutrina que acredita em evitar a dor, aproveitar a vida e não ter medo de morrer. E também do estoicismo, que acredita na importância da razão estar acima da paixão e na aceitação dos limites. 
Como Pessoa não determinou sua morte, José Saramago, outro importante autor português, escreveu o livro “O Ano da Morte de Ricardo Reis”